As
consequências trazidas pela mudança dos cursos de águas e aterros
feitos nos igarapés de Manaus e os resultados considerados inócuos para a
recuperação desses cursos d’água pelo Programa Social e Ambiental de
Manaus (Prosamim), foram o objeto da tese de doutorado intitulada
“Injustiça ambiental: caso Prosamim”, elaborada pela professora de
Geografia Humana Selma Batista, da Universidade do Estado do Amazonas
(UEA), defendida na Universidade de São Paulo (USP).
No
trabalho, Selma conclui que pelo volume de recursos usados, seria
possível ter realizado outras intervenções capazes de evitar o que chama
de estrangulamento dos igarapés, o que é uma ameaça grave as 11 bacias
hidrográficas. Ela lamenta que os R$ 930 milhões usados pelo programa
não tenham servido para recuperar nenhum dos cerca de 150 cursos de água
existentes na cidade. Na verdade, disse ela, o governo usou o mesmo
método usado no século passado com a Cidade Flutuante, ignorando
completamente estudos e experiências novas a respeito do tema
saneamento.
Quais
as injustiças sociais trazidas pelo Prosamim?Analisando alguns dados e
os impactos causados nas famílias, que foram retiradas dos locais onde
viviam há muitos anos, identificamos que o que houve, de fato, foi
apenas a transferência do problema que afetou mais de 25 mil pessoas,
pois tanto as famílias que permaneceram nos parques construídos nas
áreas, quanto as transferidas para conjuntos habitacionais na Zona
Norte, continuam lançando esgotos em igarapés sem qualquer tratamento.
Foi uma transferência do problema das bacias do Educandos e São Raimundo
para as do Tarumã e Puraquequara.
Como foi feito o seu trabalho de pesquisa?
Trabalhamos
com as famílias residentes nos igarapés, tentando identificar situações
internas e externas de aspectos positivos e negativos em relação aos
parques habitacionais e fizemos o mesmo no Nova Cidade, conjuntos
habitacional para onde foram levadas as famílias.
E o que foi importante nessa verificação?
Uma
coisa positiva do governo e prefeitura é que ele tem trabalhado a
partir das bacias, isso é importante. Mas vimos que o governo usou o
mesmo modelo aplicado na Cidade flutuante, no ano de 1965 do século
passado, indenizando financeiramente as famílias, ofertando casas ou
cedendo recursos para compra de casas.
O que há de errado nisso?
Além
do impacto causado por separar famílias, vizinhos e colocá-los em
locais sem escolas, postos de saúde e outros equipamentos urbanos, não
fez nada para salvar os igarapés da bacia do Educandos e nem está
fazendo pela do São Raimundo, onde está trabalhando. Na verdade, o
projeto, ao construir um aterro de cimento nas margens, impede a
permeabilização do solo. Ora, o fluxo dos igarapés do Mindu,
Cachoeirinha e Belchior é fonte da bacia hidrográfica amazônica, logo,
essa canalização dos igarapés está afetando essas bacias. Moradores de
igarapés como no Belchior, na Aparecida, relatam que agora as enchentes
são maiores naquele leito.
Que alternativas poderiam ser aplicadas para sanear esses igarapés?
A
alternativa que está sendo usada em países, que é a renaturalização das
áreas dos igarapés. Isso é possível. Na China, um viaduto foi posto
abaixo e, com projetos bem feitos, um curso d’água voltou à vida
natural. É o que se chama de intervenção urbana, demora, mas é possível.
É necessário pela importância dos igarapés. Poderíamos criar um sistema
que desse navegabilidade aos igarapés no transporte fluvial, garantindo
o retorno dos cursos de água em sua plenitude.
É importante também proteger as nascentes?
Sim,
mas a base técnica usada pelo governo no Prosamim é a mesma usada pelo
ex-governador Eduardo Ribeiro, proposta pelos ingleses, na mesma
sequência dos igarapés, sem usar as pesquisas dos cientistas locais, que
investigam novas modelos habitacionais e de recuperação dos leitos de
rios. Nossa base técnica para tratar a bacia hidrográfica foi
neglicenciada, por isso chamamos de injustiça socioambienal. Outro
problema é o índice de contaminação por metais vindo do Distrito
Industrial.
Corremos o risco de ficar sem água?
Nunca
vai faltar água, o que vai faltar é água em condições de uso como
acontece na India. O que precisamos não é cobrir os igarapés, esconder e
aterrar como vem sendo feito há mais de um século, mas
renaturalizá-los, pois isso é uma situação possível.
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