(portal O Globo)
Bancoop, que foi presidida por Vaccari e sofre investigação, contratou a OAS
por Germano Oliveira
SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já pode passar o
“reveilon” na Praia das Astúrias, no Guarujá, área nobre do litoral Sul
de São Paulo. De sua ampla sacada, poderá ver a queima de fogos, que
acontece na orla bem defronte do seu prédio, feito pela OAS, empresa
investigada pela Operação Lava-Jato. É que na semana passada terminaram
as obras de reforma do apartamento triplex no Edifício Solaris, que ele e
dona Marisa Letícia, sua mulher, compraram por meio da Bancoop — a
Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo —, ainda na planta,
em 2006. Acusada de irregularidades e em crise financeira, a Bancoop
deixou três mil famílias sem receber os sonhados apartamentos.
Por isso, o então presidente da cooperativa, João Vaccari Neto,
tesoureiro do PT e investigado na Lava-Jato pela suspeita de operar
parte do esquema de corrupção na Petrobras, precisou contratar a OAS
para terminar pelo menos cinco prédios da Bancoop. Um deles foi o prédio
onde Lula tem o triplex.
O Edifício Solaris, onde a família Lula da Silva tem apartamento,
ficou pronto em dezembro do ano passado. A reforma do apartamento 164 é
tocada por seu filho Lulinha, segundo funcionários do edifício, e foi
vistoriada por dona Marisa o tempo todo. Ela mesmo providenciou a
decoração do local, visitado por Lula apenas três vezes.
A família Lula construiu um elevador privativo para levá-los do 16º
ao 18º, que no projeto original tinha apenas escadas internas. Lulinha
usou também parte do quarto de empregada e um canto da sala para fazer
um escritório. Mandou também colocar porcelanato em tudo. A cobertura
com piscina também recebeu uma boa área gourmet.
Na declaração de bens do ex-presidente em 2006, quando disputou a
reeleição, ele confirmava ter pago naquele ano R$ 47.695,38 à Bancoop
pelo apartamento do Guarujá. As obras no prédio de Lula só terminaram
porque a empreiteira OAS foi contratada por João Vaccari Neto,
ex-presidente da Bancoop até 2010, para concluir o projeto. Para a OAS
terminar o prédio de Lula, cada morador teve que pagar um adicional de
R$ 120 mil. O apartamento de Lula, de 297 m2, no 16º andar, beira-mar, é
avaliado pela Imobiliária Factual, que ainda vende apartamentos no
local, por algo entre R$ 1,5 milhão e R$ 1,8 milhão.
A assessoria de Lula afirma que o imóvel está declarado. “O
ex-presidente informou que o imóvel, adquirido ainda na planta, e pago
em prestações ao longo de anos, consta na sua declaração pública de bens
como candidato em 2006”.
Publicidade
Enquanto Lula já pode desfrutar do triplex, mais de três mil famílias
associadas à Bancoop não conseguiram o tão sonhado apartamento comprado
no início dos anos 2000. A cooperativa dos bancários levantou 57
empreendimentos, mas 14 estão inacabados. Cinco mil famílias já
receberam seus apartamentos.
— O João Vaccari Neto, que está sendo processado por estelionato, é o
responsável por esse pesadelo dos associados da cooperativa dos
bancários. O mínimo que pode lhe acontecer é a cadeia — diz Marcos
Sérgio Migliaccio, presidente da Associação das Vítimas da Bancoop, que
esta semana entregou ao Ministério Público Federal (MPF) um documento
relacionando o caso Bancoop com a Lava-Jato.
A “cooperativa habitacional dos companheiros do PT”, como a Bancoop é
chamada por adversários, foi fundada em 1996 tendo o ministro das
Relações Institucionais do governo Dilma Rousseff, Ricardo Berzoini,
como diretor técnico, e João Vaccari Neto como diretor do conselho
fiscal. Nos anos 2000, passou a ter oito mil associados, dos quais três
mil ainda não receberam seus apartamentos. Isso levou João Vaccari Neto a
ser denunciado por estelionato, formação de quadrilha, lavagem de
dinheiro e falsidade ideológica.
Por não ter entregue os apartamentos vendidos, a juíza Cristina
Ribeiro Leite Balbone Costa, da 5ª Vara Criminal de São Paulo, aceitou
no final de 2010, denúncia contra Vaccari. E mandou quebrar o sigilo
bancário e fiscal do tesoureiro do PT nos dez anos anteriores à
denúncia. Além de Vaccari, foram acusados outros quatro ex-funcionários
da Bancoop, entre eles Edson Botelho Fraga, o primeiro funcionário da
cooperativa e que foi contratado pelo ministro Berzoini.
Vaccari agora é réu na ação criminal. Embora tenha sido denunciado em
2010, Vaccari não foi localizado para ser "citado" judicialmente, o que
só aconteceu no dia 6 de fevereiro do ano passado. O processo ainda não
teve uma sentença judicial. O promotor do caso, José Carlos Blat, que
fez a denúncia contra Vaccari, acha que uma sentença deverá sair por
volta de agosto de 2015, porque ainda segue os ritos processuais.
Na quebra de sigilo de Vaccari e da Bancoop, o promotor conseguiu
provas de que, na gestão do ex-tesoureiro do PT, empresas fantasmas
foram criadas para interceptar parte dos R$ 460 milhões captados pela
cooperativa ao longo dos anos. O promotor Blat estima que a cooperativa
deu um prejuízo aos oito mil associados de pelo menos R$ 100 milhões,
que teriam ido para o PT e seus dirigentes. Quebrada, a cooperativa
deixou uma dívida total no mercado avaliada hoje em R$ 86 milhões. Entre
as empresas estavam a Mizu, Germany e Mirante. Quando Vaccari era
dirtetor financeiro da Bancoop, a Mizu tinha sede dentro da sede da
Bancoop.
— A Bancoop era um verdadeiro balcão de negócios a serviço de uma
organização criminosa. Uma arapuca que deixou mais de 3.100 vítimas (os
que não receberam os imóveis já pagos há uma década) — diz Blat.
Até Freud Godoy, braço direito de Lula e que chegou a ser citado em
2006 na operação em que petistas foram suspeitos de "comprar" um dossiê
contra o ex-ministro da Saúde, José Serra (PSDB), aparece nessa
investigação. Depois que a cooperativa teve a quebra de sigilo
determinada judicialmente, apareceram pagamentos de R$ 1,5 milhão da
Bancoop para Freud Godoy, de 2005 a 2007. Na CPI da Assembleia de São
Paulo, aberta para investigar os desvios da cooperativa habitacional,
Vaccari disse que contratou Godoy para dar segurança a empreendimentos
da Bancoop (Godoy tem uma empresa de segurança armada, que já prestou
inclusive serviços à sede nacional do PT).
Nessa CPI da Bancoop, o engenheiro Ricardo Luiz do Carmo disse que,
quando as obras da cooperativa começaram, no início dos anos 2000, havia
um computo de despesas por empreendimento, mas como a situação começou a
sair do controle por volta de 2004, criou-se um “pool” de despesas,
unindo os gastos de todos os 57 imóveis em obras, dos quais apenas 20
foram totalmente finalizados.
Publicidade
— A conta única virou uma bola de neve e tudo virou uma incógnita — disse Carmo à CPI.
O promotor afirma que entre as despesas pagas pela Bancoop houve
pagamentos para um centro espírita, para pesque e pague, para um hotel
cinco estrelas onde o PT promovia reuniões, e até compra de convites
para a Fórmula 1.
Vaccari informou, por meio de sua assessoria, que não iria comentar o
assunto porque já deixou a Bancoop há quatro anos e que a cooperativa é
que deveria responder. Já a Bancoop diz que “a denúncia contra a
Bancoop não procede e não tem fundamento. Isso está sendo demonstrado no
processo”.
(Colaborou Cleide Carvalho)
Nenhum comentário:
Postar um comentário