(portal Acrítica)
Projetos econômicos para a região Amazônica deveriam levar em conta a cultura indígena, algo que nunca aconteceu no Estado
O presidente do Conselho Geral das Tribos Sateré-Mawé (CGTSM),
Obadias Batista, afirmou que uma das maiores provas da autodegradação da
cultura indígena é a adoção de costumes de outros povos indígenas que
nada tem a ver com sua cultura
A
valorização e a promoção do orgulho da cultura indígena devem pautar os
projetos econômicos que promovam a autonomia e preservação das
populações indígenas no Estado do Amazonas. Essa foi uma das conclusões
do Seminário “Projetos Econômicos e Patrimônio Cultural Indígena”
realizado ontem à tarde no auditório da Universidade do Estado do
Amazonas (UEA).
O
presidente do Conselho Geral das Tribos Sateré-Mawé (CGTSM), Obadias
Batista, afirmou que uma das maiores provas da autodegradação da cultura
indígena é a adoção de costumes de outros povos indígenas que nada tem a
ver com sua cultura.
Exemplificou
também como ataque a não preservação dos povos no Estado a venda de
guaraná em pó na Feira de Artesanato da Praça Tenreiro Aranha produzido
na Bahia e não pelo povo Sateré-Mawé. Para Obadias, a produção
artesanal indígena jamais vai poder competir com a lógica capitalista e
com o poder das indústrias que se apoderam dos produtos naturais.
“Na
castanha, por exemplo, enquanto um índio quebra uma castanha, as
máquinas das indústrias quebram várias ao mesmo tempo”, declarou.
Para
o líder dos Sateré-Mawé, a maneira do artesanato e gêneros alimentícios
virarem instrumentos de sustento próprio para as populações e a
agregação de valor ao produto. Para ele, o diferencial é a cultura
indígena. “O indígena não tem que vender seu artesanato porque é
pobrezinho e as pessoas vão comprar aquilo para ele se sustentar. Ele
têm que vender o produto com orgulho de sua cultura”, defendeu.
O
secretário da Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (Seind),
Bonifácio José Baniwa, afirmou que a produção de frutas, verduras e
legumes dos indígenas no caminho até o consumidor perde toda a
identidade do cultivo. “Quando chega na cidade, a produção dos indígenas
é engolida pelas cooperativas. Ali não é mais a produção dos indígenas,
é a dos produtores rurais. É como se fosse uma coisa só e não é”,
afirmou.
Obadias
disse que a forma industrial de produção de alimentos chega nas
aldeias provocando nos indígenas doenças e deterioração de suas
culturas. “Os indígenas comem os alimentos industrializados. Na hora que
sente um mal estar não quer mais o chá de erva cidreira do pajé, quer a
química. Isso tudo representa perda da cultura indígena”, declarou.
Ele
afirmou que os Sateré-Mawé experimentam outras possibilidades de formas
econômicas lutando pela preservação da cultura. “É muito complicado
porque as coisas oferecidas pelo homem branco chegam numa grande
proporção e parecem boas. Mas não são. É bolsa família, todo tipo de
bolsa que provoca nos indígenas o abandono da produção. Eles têm
dinheiro, gastam com outras coisas e ainda assim passam fome. Isso está
errado”, diz Obadias.
Personagem: Pres. da Ass. de Ind. do Alto Solimões, Deulinda Prado
‘É preciso incentivo’
A
presidente da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Solimões,
Deulinda Prado, representou, no seminário de ontem, uma entidade que
teve origem há duas décadas e reúne 54 mulheres de 10 etnias diferentes.
As mulheres da associação vivem em áreas urbanas e comercializam
artesanato produzido a partir da identidade cultural de suas aldeias.
Deulinda afirmou que as artesãs indígenas precisam de incentivo para
ampliarem suas possibilidades. Também relatou a dificuldade das
indígenas que ainda vivem em aldeias no Alto Solimões aos tratamentos de
saúde necessários oferecidos pela rede pública. “O acesso é complicado.
As mulheres, após o parto, contam mais com a pajé que vai lá e as
benze”.
Dados do IBGE
De
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
até 2010, o Amazonas possuía 168.680 indígenas. São Gabriel da Cachoeira
tem o maior número de pessoas que se identificam como indígenas, um
total de 29.017 pessoas.
Secretário critica a Suframa
O
secretário da Seind, Bonifácio Baniwa, criticou a falta de coerência
no discurso de prorrogação do modelo econômico Zona Franca de Manaus
(ZFM) e a não atenção no Conselho de Administração da Suframa aos
projetos que beneficiem as populações indígenas.
“Temos
projetos apresentados na Suframa há 5 anos. Mas não temos padrinhos
políticos e não são analisados. A ZFM gera riquezas para as indústrias,
mas elas não deixam nada aqui. Se perguntar para qualquer indígena o
que a ZFM fez por eles, eles vão dizer que nada. É um modelo barriga de
aluguel. Tem filhos, mas ele não fica com a mãe”, declarou o secretário.
Bonifácio
Baniwa criticou ainda o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) que é
subaproveitado e poderia contribuir para a valorização do conhecimento
indígena. “O CBA é um investimento de milhões, mas que não gera retorno
para o Estado”.
A
professora-doutora Priscila Barbosa, do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da Ufam afirmou que os modelos econômicos e
assistenciais podem ser formas de continuidade do processo de dominação
dos povos indígenas.
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