Ao completar oito anos da implantação da Lei Maria da Penha, membros do movimento de mulheres no Amazonas dizem que os governantes continuam de costas para as demandas do Estado, negando direitos que deveriam estar assegurados
Para ativistas ouvidas por A CRÍTICA, o movimento de mulheres tem
lutado quase isoladamente para assegurar direitos que já deveriam ter
sido assegurados
Gleissimar
Campelo Castelo Branco mora em Benjamin Constant (a 1.118 quilômetros
de Manaus, na região da tríplice fronteira Brasil/Colômbia/Peru); Maria
de Fátima Guedes, em Parintins (a 325 quilômetros da capital amazonense,
no baixo rio Amazonas). Em comum essas duas mulheres têm uma história
de enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres no
interior do Amazonas. Elas não se conhecem e vários rios separam o lugar
onde moram enquanto a água da resistência na luta e na esperança de
mudar realidades as carrega, as une e alimenta a determinação de ambas
em não silenciar diante do silêncio oficial.
Há
oito anos - a idade de vida que a "Lei Maria da Penha" (lei nº
11.340-2006) completa hoje - Gleissimar enfrenta operadores do direito
para fazer valer a proteção da vida dela e o pagamento da pensão
alimentícia dos quatro filhos pelo ex-companheiro. Desde que tomou
coragem para encerrar uma relação marcada pelo medo e por atos de
violência, ela experimentou os tortuosos caminhos para assegurar a
realização da Justiça. Não conseguiu até hoje. Está numa lista de
pessoas marcadas para morrer (já denunciada publicamente) e, com
frequência, é constrangida por agentes públicos porque entre medos e
privações decidiu não se calar.
Busca
No
mês de junho, Gleissimar buscou apoio junto a várias organizações do
movimento de mulheres em Manaus e aos órgãos da Justiça para garantir
que a pensão alimentícia dos filhos fosse paga (está sem pagamento desde
2009, de acordo com relato feito pela mãe). Nesse mesmo período, por
defender a implementação da "Lei Maria da Penha" na condução policial,
foi processada pelo delegado Humberto Vaquero sob a acusação de calúnia
em duas postagens no perfil de Gleissimar no facebook.
Fátima
Guedes denuncia a violência sistemática contra mulheres no Município de
Parintins. Lidera um movimento pela implantação da Vara Especializada
da Mulher na cidade e, com Arineide Tavares, Maria da Fé Ramos Pontes e
Valdete Pimentel, iniciou uma campanha pela criação dessa instância e
qualificação dos agentes públicos que atuam na área. Juntas conseguiram
reunir mais 5 mil assinaturas. Em encontro com a presidente do Tribunal
de Justiça do Amazonas (TJ-AM), desembargadora Maria das Graças
Figueiredo, falou da grave situação de fragilidade em que se encontra a
maioria das mulheres daquela cidade. E oficializou o pedido para mudar
esse quadro.
Movimentos mantém a chama acesa
Em
Benjamin Constant, a Associação de Mulheres na Luta pelos seus
Direitos, Defesa do Meio Ambiente e Povos da Floresta do Alto Solimões
(Ammaflorsol) mantém a tenda armada há mais de seis anos, denunciando,
promovendo debates, passeatas, estudos. Gleissimar, diretora-geral da
organização, já recorreu em nome dessa causa a governadores e
secretários sem respostas efetivas. A partir da associação nasceu o
Movimento de Mulheres de Benjamin Constant que vai às ruas pedir um
basta à impunidade e a presença de fato do Estado.
A
pesquisadora Maria de Fátima Guedes é membro da Marcha Mundial de
Mulheres, núcleo Parintins, atua no Movimento pela Democratização do
Voto (MDV) na Articulação Parintins Cidadã. No jornal Plantão Popular,
abre espaço para abrigar as pautas de reivindicações, as denúncias e a
ampliação de olhares sobre antigos e novos desafios e na área rural de
Parintins atua por meio do projeto “Saberes e Práticas”.
Estrutura de proteção de direitos é ultrapassada
“A
dimensão do patriarcado permanece determinando a matriz política de
implantação de uma estrutura de proteção dos direitos da mulher no País e
no Amazonas em particular”. O desabafo é de Florismar Ferreira da
Silva, uma das fundadoras do Movimento de Mulheres Solidárias do
Amazonas (Musas), membro do Fórum Permanente de Mulheres e do Conselho
Municipal dos Direitos da Mulher em Manaus. “Continuamos brigando pela
entrega do laudo em menor tempo. Hoje a mulher vitimizada aguarda até
três meses para esse documento, significa que nesse período ela pode ser
morta ou adoecer tanto ao ponto de perder a referência com a
realidade", afirma Florismar Ferreira.
O
movimento de mulheres no Amazonas, na avaliação da ativista, tem lutado
quase isoladamente para assegurar direitos que já deveriam ter sido
assegurados. Florismar diz que dessa forma é difícil ao movimento dar
conta de tantas demandas diante das portas fechadas e de uma postura do
Estado de negação à implementação de fato das políticas de proteção à
mulher. “Falo isso tendo como referência os drama vividos pelas mulheres
e que acompanhamos na cidade e nos municípios mais próximos. Imagine o
quadro no interior, naquelas cidades mais distantes e que estão fora da
área de interesse da mídia? Essas mulheres estão entregues à própria
sorte”, critica.
A “Lei Maria da
Penha”, na opinião de Florismar Ferreira está longe de ser
institucionalizada no Amazonas. Isso porque falta vontade política e o
que se faz é mais por esforço individual de uma ou outra pessoa
sensibilizada com essa questão e que esteja em órgão público, não por
uma conduta institucional que tenha começo, meio e fim e esteja sendo
pensada para além dos gestores cujos cargos são temporários.
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